21 de junho de 2017
Ex-parlamentares são acusados de
receber pelo menos R$ 11,5 milhões em propinas de empreiteiras, sem contar R$ 4
milhões repassados a clubes de futebol
O Ministério Público Federal
(MPF) no Rio Grande do Norte denunciou os ex-presidentes da Câmara dos
Deputados Henrique Eduardo Lyra Alves e Eduardo Consentino da Cunha, além de
outros quatro envolvidos no esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e
organização criminosa investigado na Operação Manus, deflagrada no último dia 6
de junho e que deriva da Operação Lava Jato. A denúncia foi entregue à Justiça
Federal nesta terça-feira (20).
Eduardo Cunha já se encontrava no
Complexo Médico Penal do Paraná, quando a Justiça Federal, a pedido do MPF no
RN, acatou um novo mandado de prisão preventiva contra ele e Henrique Alves.
Este, por sua vez, foi preso pela Polícia Federal em sua residência, em Natal,
e se encontra atualmente custodiado na Academia de Polícia Militar do Rio
Grande do Norte.
Além dos dois, também foram
denunciados pelo MPF José Adelmário Pinheiro Filho, o “Leo Pinheiro”,
presidente da OAS e que está preso na Polícia Federal, no Paraná; o executivo
da Odebrecht Fernando Luiz Ayres da Cunha, que vem colaborando com as
investigações; o empresário e ex-secretário de Obras de Natal, Carlos Frederico
Queiroz Batista da Silva, conhecido como “Fred Queiroz”, atualmente preso no
Quartel da PM, em Natal; e o empresário Arturo Silveira Dias de Arruda Câmara,
sócio da Art&C Marketing Político Ltda., com sede na capital potiguar.
Provas – A denúncia do MPF reúne
mensagens de celulares, prestações de contas eleitorais, dados bancários e
telefônicos, depoimentos testemunhais, diligências de campo, documentos e
depoimentos de colaborações premiadas. Esse conjunto confirma as ilegalidades
cometidas pelo grupo. Para o MPF, entre Eduardo Cunha e Henrique Alves existia
uma “parceria criminosa”.
De acordo com a denúncia, os dois
ex-parlamentares, pelo menos entre 2012 e 2014, “solicitaram, aceitaram
promessa nesse sentido e efetivamente receberam vantagens indevidas, de forma
oculta e disfarçada, por meio de doações eleitorais oficiais e não oficiais, em
razão da atuação política e parlamentar de ambos em favor dos interesses de
empreiteiras”.
Por sua vez, Fred Queiroz -
administrador de fato da Pratika Locação de Equipamentos e aliado do
ex-ministro Henrique Alves - e o cunhado do ex-parlamentar, Arturo Arruda
Câmara, contribuíram com a “estrutura organizada para lavagem, por meio de
prestações de contas eleitorais, dos valores ilicitamente obtidos”. Esquema
utilizado principalmente na campanha de Henrique ao Governo do Rio Grande do
Norte, em 2014.
Favores – Alguns dos “favores”
feitos pelos ex-deputados à OAS, em troca das propinas, são detalhados na
denúncia e ocorreram “em especial no ano de 2013, por meio da superação de
restrições à participação da empresa na privatização dos aeroportos do Galeão e
de Confins, por meio da aprovação do projeto da Lei Complementar n. 283/2013,
referente à rolagem da dívida pública do Município de São Paulo, e da superação
de entraves à liberação de financiamento do BNDES relativo à obra da Arena das
Dunas, em Natal/RN.”
Para o Ministério Público
Federal, disfarçar a propina por meio de doação eleitoral foi uma das
estratégias mais usadas. Em junho de 2012, ainda antes do período de campanha,
foram pagos R$ 700 mil pela OAS, por meio do Diretório Nacional do PMDB, sempre
com aval de Léo Pinheiro.
Ainda da OAS, veio repasse de
mais R$ 500 mil em 13 de agosto do mesmo ano, através do Diretório Nacional.
Até setembro chegaram mais R$ 1 milhão e posteriormente mais R$ 500 mil para a
dupla, pelo mesmo caminho. Já em outubro, outros R$ 500 mil. Entre junho e
setembro, dessa vez em 2014, o MPF registra repasses de R$ 650 mil e de R$ 3
milhões, através da conta de campanha ou pelo Diretório do PMDB no Rio Grande
do Norte.
Odebrecht – Em outubro de 2014
houve nova solicitação de propina, por parte dos ex-parlamentares. A Odebrecht,
dessa vez, foi quem repassou pelo menos R$ 1 milhão, através do Diretório Nacional
e Estadual. Eram “valores devidos pela OAS, mas, em razão da afirmativa de 'Léo
Pinheiro' de que não era viável a realização do pagamento naquela ocasião, as
quantias acabaram sendo solicitadas à Odebrecht, para posterior compensação
entre as empreiteiras.”
Nem todos os valores pagos pela
Odebrecht, contudo, foram para “quitar” dívidas da OAS com os parlamentares. Em
troca de interesses da própria Odebrecht, os ex-presidentes da Câmara
receberam, de agosto a outubro de 2014, R$ 2 milhões em “caixa dois”, valor
acertado com Fernando Luiz Ayres, “em razão da promessa de privatização da
Companhia de Água e Esgoto do Rio Grande do Norte, operação na qual havia
interesse da empreiteira em realizar investimento”.
Carioca e Andrade Gutierrez - De
junho a outubro do mesmo ano, outros R$ 400 mil foram repassados pela Carioca
Engenharia, através de doações eleitorais oficiais feitas à conta de campanha
de Henrique Alves. Eduardo Cunha já vinha agindo em prol dos interesses da
Carioca, em especial entre os anos de 2011 e 2013, por meio da obtenção de
financiamento perante a Caixa Econômica para obras do Porto Maravilha, no Rio
de Janeiro. Em função dessa “ajuda”, os dois ex-deputados receberam propina no
exterior, “fato que já é objeto de ação penal própria”.
A Andrade Gutierrez, por sua vez,
doou ao Diretório do PMDB no RN R$ 1,25 milhão entre julho e setembro de 2014,
dos quais R$ 100 mil foram diretamente para a conta de campanha de Henrique
Alves. “Os valores consistiram em contrapartida pela atuação de Eduardo Cunha
na alteração da redação da Medida Provisória n. 627/2013, que tratava da
tributação do lucro de empresas brasileiras no exterior, de modo que o texto
final (…) contemplasse os interesses da empresa, o que acabou de fato
ocorrendo.”
Arena e clubes – No caso da Arena
das Dunas, a OAS necessitava de aval do Tribunal de Contas do Estado (TCE/RN)
para a liberação de novas parcelas do financiamento do BNDES para a obra.
Contudo, o tribunal não teve acesso ao projeto executivo completo e não podia
avalizar a liberação. Henrique Alves foi procurado pela empreiteira e se dispôs
a agir junto ao TCE e ainda a ir “pra cima do TCU”, o Tribunal de Contas da
União.
No Acórdão 1982/2013, o TCU
comunicou ao TCE/RN que, “apenas em situações em que fosse constatada irregularidade
de gravidade suficiente, o fato fosse comunicado ao BNDES”. Como o tribunal
potiguar não tinha as informações necessária para se posicionar sobre o
assunto, o banco continuou a liberar as parcelas e a obra foi concluída, com um
superfaturamento de R$ 77 milhões.
O conselheiro relator do caso no
TCE, Carlos Thompson Fernandes, informou que Paulo Roberto Alves - então
presidente do tribunal e primo de Henrique Alves – declarou a ele em um
conversa que o ex-deputado “o tinha procurado em busca de informações sobre
esse processo”. Em mensagens, Henrique antecipou a Léo Pinheiro que falaria com
o primo para buscar o aval do TCE.
“Ele [Henrique Alves], no mínimo,
omitiu-se de seu dever funcional, como parlamentar federal, de
fiscalizar a regular aplicação de
recursos do BNDES, para, em vez disso, favorecer interesses particulares de
empreiteira”, reforça o MPF, acrescentando que o ex-parlamentar ainda obteve
vantagens indevidas da OAS no contrato de utilização da Arena das Dunas, para
as equipes do ABC Futebol Clube e do América de Natal, que receberam, somente a
título de “luvas”, o valor de R$ 2 milhões da empreiteira, cada uma.
Lavagem de dinheiro – Os valores
que chegavam para a campanha de Henrique Alves eram “lavados” através de um
esquema montado com empresários próximos do então candidato. Entre julho de
2014 e fevereiro de 2015, ele, Fred Queiroz e Arturo Arruda usaram empresas
familiares, de aliados políticos e até de fachada para “justificar, ocultar e
dissimular, em prestação de contas eleitoral, a utilização de recursos de
origem e destinação ilícitas (em proveito pessoal, em compra de votos e de
apoio político)”.
Informações da Receita Federal e
do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontaram que, somente
pela Pratika, transitaram mais de R$ 9 milhões da campanha de Henrique Alves,
dos quais R$ 5,5 milhões foram sacados em espécie. A empresa está no nome da
esposa de Fred Queiroz, Erika Montenegro Nesi, e também teria recebido em suas
contas parte da propina repassada em dinheiro, via “caixa dois”, pela
empreiteira Odebrecht.
A empresa serviu como instrumento
para compra de apoio à campanha de 2014. Foram feitos repasses a 18 prefeitos,
vereadores, lideranças políticas e familiares de políticos do interior e da
capital. Outros R$ 1,1 milhão tiveram como destino a M N Queiroz Serviços e
Eventos, empresa em nome de Matheus Nesi Queiroz, filho de Fred e Erika: “o que
evidencia o desvio de recursos em benefício particular do grupo familiar em
questão”, conclui o MPF.
Já para a Art&C Marketing
Político Ltda., do cunhado Arturo Arruda, a campanha do ex-ministro transferiu
R$ 1,3 milhão, que teriam sido revertidos em favor da família do candidato.
“Arturo (…), juntamente com Carlos Frederico, foi o grande artífice do esquema
de lavagem de valores ilícitos por meio de prestação de contas eleitorais na
campanha de Henrique em 2014.”
Outras sete empresas de fachada
receberam dinheiro da campanha. “Paralelamente a isso, em diligência de busca e
apreensão autorizada pelo STF (...), foi arrecadada na residência de Henrique
Alves em Natal/RN uma planilha que retrata distribuição de valores a
“lideranças” em sua campanha (...), o que demonstra a efetiva prática de compra
de votos.”
Crimes - Caso a denúncia seja
aceita pela Justiça Federal, os dois políticos irão responder por corrupção
passiva (artigo 317, §1º, do Código Penal) e lavagem de dinheiro (artigo 1º, §
4º, da Lei n. 9.613/1998); Léo Pinheiro e Fernando Ayres por corrupção ativa e
lavagem de dinheiro; e os empresários Fred Queiroz e Arturo Arruda por lavagem
de dinheiro e organização criminosa (artigo 2º, § 4º, inciso II, da Lei n.
12.850/2013). Os ex-deputados e os executivos da OAS e Odebrecht não foram
denunciados por organização criminosa porque já respondem por esse crime em
outras ações.
O MPF requer ainda a reparação
dos danos materiais e morais, no valor mínimo de R$ R$ 15,5 milhões, e a
decretação da perda da função pública para os condenados detentores de cargo,
emprego público ou mandato eletivo. O processo tramita na Justiça Federal sob o
número 0001430-69.2016.4.05.8400.
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